A ex-BBB Gyselle Soares virou alvo de críticas após aceitar o papel da escrava negra Esperança Garcia na peça “Uma escrava chamada Esperança”. Em entrevista ao G1 nesta quarta-feira (13), a atriz afirmou que entende os comentários, mas que sua profissão a permite viver qualquer pessoa, e que se considera “de todas as cores”.
Na noite de terça-feira (12), ativistas do movimento negro promoveram um protesto na frente do Theatro 4 de Setembro, em Teresina, Piauí, contra a escolha de Gyselle para o papel. Sônia Terra, ativista da Rede de Mulheres Negras do Piauí, apontou que a escalação da ex-BBB significa um “embranquecimento de uma pessoa negra“.
Para Soares, entretanto, as críticas não a entristecem. “As pessoas têm que comentar o que acham, a gente tem que respeitar o direito de resposta delas, e é importante pra mim como atriz poder ser qualquer coisa, posso viver o que quiser, se eu quiser ser uma leoa, vou ser uma leoa, se quiser ser uma escrava, vou ser uma escrava e viver de uma forma bonita“, afirmou ela, ao portal.
“Eu me considero todas as cores, sem cor, um ser humano com coração que pode sentir tudo, de todo mundo. Estamos no mundo, somos todos iguais, nossa pele não tem cor, nosso coração não tem cor, não podemos nos definir assim“, disparou. A ativista Sônia, entretanto, não concorda com esse pensamento. “As crianças que vão assistir ao espetáculo vão ficar na cabeça que a Esperança Garcia é uma pessoa branca“, disse ao G1.
Valdson Braga, diretor da peça, defendeu a escolha de Gyselle para a obra. Em entrevista à TV Clube, ele afirmou que consultou os movimentos negros antes de tomar sua decisão, mas não teve retorno. Ele ainda alegou que a atriz não deve ser “discriminada” por causa de um papel. Já o movimento negro disse que não foi procurado.
A peça “Uma escrava chamada Esperança” conta a história de Esperança Garcia, uma mulher escravizada na fazenda de Algodões, no Piauí. Ela ficou conhecida nacionalmente depois da divulgação de uma carta escrita para o governador da capitania do Piauí, relatando os sofrimentos e abusos sofridos na casa de seus senhores. O texto foi escrito em 6 de setembro de 1770, e pedia providências ao governo. 247 anos depois, o arquivo foi encontrado pelo pesquisador e historiador Luiz Mott e a mulher foi reconhecida pela OAB/PI como a primeira advogada piauiense.
Leia a carta na íntegra:
“Sou escrava da administração do capitão Antônio Vieira de Couto. Ele me tirou da Fazenda dos Algodões, local onde vivia com meu marido para trabalhar de empregada doméstica. Aqui não passo bem. O primeiro dos grandes sofrimentos é que meu filho sofreu muitas pancadas e é apenas uma criança. Chegaram a tirar sangue dele pela boca. Já comigo, não consigo nem explicar, mas para eles pareço um saco de pancadas, tanto que caí certa vez de cima do sobrado. Só escapei pela misericórdia de Deus. Já a segunda é que estou com meus pecados para confessar há três anos e mais três filhos para batizar. Peço pelo amor de Deus que olhe por mim e peça ao procurador para que me mande de volta para a casa de onde me tiraram do lado do meu marido e da minha filha“.
De V.Sa. sua escrava, Esperança Garcia.