Uma publicitária de 29 anos foi parar na UTI após usar Ozempic sem orientação médica em junho de 2022. De acordo com a BBC Brasil, Gabriela, nome fictício dado pela reportagem para preservar a identidade, decidiu fazer uso do medicamento com o objetivo de emagrecer. A jovem acompanhou depoimentos nas redes sociais para entender o uso do Ozempic. Ela comprou a medicação, mas não perdeu os quilos desejados e teve um quadro de insuficiência hepática, que acontece quando o fígado para de funcionar.
De acordo com a jovem, algumas das suas amigas faziam uso do Ozempic, que é uma espécie de “canetinha” com agulha na ponta, e estavam obtendo resultado rapidamente. “Comecei a ser impactada pelos vídeos, até brinco falando que fui influenciada pelo meu próprio trabalho já que sou publicitária. O algoritmo começou a me apresentar diversos vídeos falando sobre o uso do Ozempic e seus resultados positivos. Então, eu coloquei na minha cabeça que se eu tomasse, iria dar super certo também”, relatou.
Ela contou que na época usou o medicamento porque estava insatisfeita com o corpo. Gabriela engordou dez quilos na pandemia, indo do manequim 40 para o 44. Com a necessidade do trabalho em home office, a publicitária teve que dispensar a caminhada que fazia até o escritório em que trabalha em São Caetano do Sul, São Paulo. A nova rotina resultou em sedentarismo e contribuiu para o aumento de peso.
Então, ela pediu para o namorado providenciar o Ozempic. “Eu insisti muito para que meu namorado comprasse o medicamento para mim. E como uma forma de tentar me agradar, ele comprou em uma farmácia, sem receita ou qualquer tipo de restrição e pagou R$ 850. Não pensei em nenhum momento passar pelo médico, eu estava muito esperançosa que iria funcionar e eu emagreceria”, contou.
Após a aquisição, ela explicou que assistiu a vídeos nas redes sociais para entender como aplicar. “Fiz a aplicação da primeira injeção. Comecei a sentir muita ânsia e dor de cabeça, mas até aí estava dentro dos sintomas esperados pela medicação e previstos na bula. Na semana seguinte, eu resolvi aumentar por conta própria a dosagem, passando de 0,25 mg para 0,5 mg, achando que potencializaria os resultados“, detalhou.
Na segunda aplicação, os sintomas ficaram intensos e Gabriela decidiu procurar ajuda médica, mas teve vergonha de relatar que estava usando Ozempic. “Eu não parava de vomitar, sentia muita dor no estômago e passava o dia enjoada. Fui oito vezes ao pronto-socorro, para tomar medicação na veia e nada adiantava. Eu voltava para casa e continuava vomitando“, disse. “Fiquei com vergonha de falar para o médico que eu estava usando por conta própria, então falei que estava tomando Ozempic, mas que um médico tinha indicado“, acrescentou.
Exames de sangue apontaram alterações no funcionamento do fígado, causando a internação. Ela foi encaminhada para a UTI e contou que as enzimas estavam mais de dez vezes acima do considerado normal. “Falei que não queria ficar na UTI e a médica foi bem sincera e disse “ou eu te interno para monitorar seu fígado, ou você pode ir para fila do transplante” porque caso as enzimas continuassem subindo meu órgão pararia de funcionar“, relatou.
Na época, ela também foi diagnosticada com pedra na vesícula. No entanto, os especialistas não sabem se foi por causa do uso do Ozempic ou se ela já estava com o problema, sendo potencializado pelo medicamento. Após sete dias na UTI, a publicitária se recuperou e escolheu outro método para emagrecer. Agora ela frequenta a academia, fazendo musculação duas vezes por dia, e perdeu sete dos dez quilos que engordou na pandemia.
Laboratório se manifesta
Para a BBC News Brasil, o laboratório Novo Nordisk, responsável pela fabricação do medicamento, falou sobre as complicações da jovem após o uso. “Ele pode ser usado em pacientes que possuem insuficiência hepática leve e moderada. A experiência em pacientes com insuficiência hepática grave é pequena. Mas não ocorre o aumento das enzimas hepáticas relacionadas ao uso do medicamento. Contudo, o aumento de enzimas pancreáticas pode ocorrer de maneira transitória e pacientes com histórico prévio de pancreatite devem utilizar o produto com cautela”, disse em nota.
“Os distúrbios gastrointestinais, tal como náusea, foram os eventos adversos mais frequentemente relatados, sendo a maioria transitórios, de intensidade leve e não levando a interrupção do tratamento. Esses eventos ocorreram em uma proporção semelhante em relação a outros análogos de GLP-1 já comercializados no Brasil. A interrupção prematura do tratamento devido a eventos adversos foi inferior a 10% em todos os grupos estudados1-7. Cabe ressaltar que o tratamento deve sempre ser orientado pelas recomendações fornecidas pelo médico responsável e deve basear-se em uma avaliação individual das necessidades do paciente”, acrescentou.
Médicos alertam
Com o nome comercial de Ozempic, a Semaglutida é indicada para auxiliar no tratamento de diabetes tipo 2 em adultos, que funciona junto com a dieta e exercício físico. O fabricante ainda ressalta que o produto deve ser comercializado apenas com prescrição médica. Grávidas, lactantes e pacientes alérgicos à Semaglutida estão no grupo de contraindicação. O medicamento ajuda a controlar o nível de açúcar no sangue, aumentando a produção de insulina e reduzindo a produção de glicose pelo fígado, conforme explicou Carla Adriana Loureiro de Matos, hepatologista do núcleo de medicina avançada do Hospital Sírio Libanês.
“Ela ajuda a controlar o açúcar no sangue, reduz o apetite e retarda o esvaziamento gástrico, o que significa que os alimentos permanecem no estômago por mais tempo, proporcionando uma sensação de saciedade. Além disso, ela pode reduzir a gordura corporal. Em estudos clínicos, a Semaglutida demonstrou melhorar a sensibilidade à insulina e aumentar a queima de gordura, o que pode ajudar na perda de peso. Isso também é uma vantagem na redução da gordura no fígado, beneficiando portadores de esteatose hepática com dificuldade ou má resposta a mudança de hábitos com dieta e exercícios“, disse a profissional.
“Sua utilização é recomendada para adultos, portadores de diabete tipo 2, como auxiliar no tratamento, em conjunto com dieta e exercícios. Pode ser utilizado como única medicação, mas também pode ser utilizado em associação com outros medicamentos, se necessário. O Ozempic ainda não é liberado para uso em crianças e adolescentes menores de 18 anos e não deve ser utilizado em grávidas devido à falta de estudos com esse público“, finalizou Carla.
Um dos “efeitos colaterais” da substância é a perda de peso. A Semaglutida simula a ação de um hormônio produzido pelo intestino, que contribui para o controle da glicemia e atua no hipotálamo, diminuindo a vontade de comer. Alguns estudos também apontam que a substância ajuda na fome emocional, aquela causada pela ansiedade.
“Foram feitos estudos visando o tratamento da obesidade com o Ozempic e observou-se que doses maiores teriam um efeito melhor na perda de peso. Com esse estudo, foi aprovado no Brasil um medicamento com o nome comercial de Wegovy, que ainda não está comercializado nas farmácias, mas que em breve chegará. Ele apresenta uma dose maior da Semaglutida do que se tem no Ozempic, sendo mais eficaz no tratamento da obesidade“, disse Fábio Trujilho, diretor do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Wegovy, o medicamento específico contra a obesidade, conta com a Semaglutida como princípio ativo. Ele teve aprovação pela Anvisa e tem 2,4 mg, diferente do Ozempic que tem 1mg. No entanto, a aprovação não é sinônimo de uso indiscriminado por quem deseja perder peso. A indicação, de acordo com Trujilho, vale para pacientes com Índice de Massa Corpórea (IMC) maior do que 30 (obesidade de grau 1) ou para pessoas com IMC maior ou igual a 27, que tenham comorbidades ligadas à obesidade.
“Acontece que vemos muita gente recorrendo à automedicação sem seguir esses critérios. Às vezes pessoas com o peso normal, que querem perder 2 ou 3 kg e acabam fazendo o uso inadequado do remédio, já que ele não tem essa indicação“, apontou o diretor do SBEM.
As consequências do uso indiscriminado podem ser a potencialização das complicações oculares em diabéticos, pancreatite aguda grave e desidratação grave com insuficiência renal. Ao hugogloss.com, Theo Webert alertou sobre os riscos da administração de Ozempic sem prescrição médica. “Os efeitos colaterais como enjoos, vômitos, desidratação e dores de cabeça podem ser exacerbados. O uso contínuo pode levar à perda de massa muscular. Muitos exacerbam sintomas gastrointestinais, desde a constipação até mesmo a diarreias crônicas. E isso pode acabar causando um desequilíbrio hidroeletrolítico. Além das alterações gastrointestinais. também podem ser observados sintomas relacionados à hipoglicemia, que é a diminuição abrupta de açúcar circulante no sangue. Em decorrência, a pessoa fica com fraqueza, indisposição e sonolência“, descreveu.
Webert aponta para a importância de se refletir sobre a febre em torno do Ozempic e de outras substâncias. “Isso é apenas uma pontinha de um iceberg numa sociedade que ainda busca o imediatismo. Não se está querendo conhecer a causa por trás do ganho de peso, da obesidade ou de outras questões relacionadas. Muitas pessoas estão buscando tratar a consequência e não conhecer a causa da grande maioria das questões. Muitos estão usando Ozempic para não sentir fome e isso tem mascarado uma série de doenças por trás“, ressaltou.
“A primeira coisa que uma pessoa precisa fazer para perder peso é procurar ajuda de um profissional que tenha uma visão integral, que consiga desenvolver um trabalho multidisciplinar, que estabeleça uma ligação direta entre nossa emoções e como elas impactam nossa saúde física, entendendo que existe uma ligação íntima entre mente e corpo. Muitas vezes, a questão do excesso de peso reflete uma insatisfação no trabalho, alteração no sono, compensação por tristeza, infelicidade, amargura… Muitas vezes mascara também alterações em outros sistemas como problemas na tireoide, alterações hormonais relacionadas ao hormônios sexuais, por exemplo“, alertou.
“É buscar acima de tudo e primeiro conhecer a causa, o que está fazendo essa pessoa ganhar peso. Será que é algum distúrbio alimentar? Falta de atividade física? Estabelecer métodos inicialmente básicos e com a ajuda de profissionais que tenham entendimento mais global sobre isso, para que aí sim, essa perda de peso seja efetiva e definitiva. Que nunca, em hipótese alguma, a estética venha sobrepor a saúde. Não é perder peso de qualquer jeito, é conquistar saúde“, encerrou ele.
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