Dois brasileiros foram resgatados após passarem mais de três meses como reféns, vítimas de tráfico humano e sendo submetidos a torturas em Mianmar. Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, e Phelipe de Moura Ferreira, de 26, fugiram no sábado (8) e foram resgatados na segunda-feira (10) por rebeldes, segundo familiares ao jornal O Globo. Os paulistanos foram atraídos por supostas vagas de emprego na Tailândia.
Junto deles, um grupo de centenas de estrangeiros, também vítimas de tráfico humano, fugiram do local. Logo depois, eles foram encontrados pelo Exército Democrático Karen Budista (DKBA), grupo armado de dissidentes das Forças Armadas local. Antes disso, Phelipe informou ao pai, Antônio Carlos Ferreira, que tentaria fugir.
“Fica tranquilo que a polícia já está sabendo“, relatou Antônio ao filho. “Vamos tentar daqui a pouco. (…) Se acontecer algo comigo saiba que eu tentei ao máximo“, respondeu Phelipe.

As vítimas foram levadas a um centro de detenção após o resgate e conseguiram se comunicar com a família. A The Exodus Road, organização de combate ao tráfico humano, confirmou a fuga dos brasileiros e de outros 368 estrangeiros, de 21 países. Os dois brasileiros aguardam transferência para a Tailândia, com a ajuda da instituição. “Ao todo, espera-se que 170 vítimas sejam libertadas e enviadas para a Tailândia, possivelmente até amanhã (12)“, disse a porta-voz Cintia Meirelles.
“O mérito do resgate foi todo da ONG [Exodus]. A embaixada [brasileira] só ficou aguardando a boa vontade das autoridades de Mianmar, que não iam fazer nada. Já sabiam onde eles estavam e tinham que ter pressionado mais, mas não fizeram nada. Quem pressionou foi a ONG“, opinou o pai de Phelipe.
Relembre o caso
Em outubro de 2024, o paulistano Luckas Viana dos Santos se tornou vítima de tráfico humano no Mianmar após aceitar uma proposta de emprego internacional. Ele foi sequestrado rumo a uma “fábrica de golpes” no país asiático. O brasileiro contou que tinha uma rotina de mais de 15 horas de trabalho forçado, sob ameaças e castigos.
“Compartilhe fotos minhas em todas as redes sociais, minha vida corre perigo. Fale a todos o que aconteceu, todos precisam saber”, escreveu. Em outra mensagem, ele contou que foi punido com choques que o fizeram sangrar, após descobrirem um de seus pedidos de socorro. “Só quero ir embora. Me ajude, tenho muito medo de morrer. (…) Faz dois dias que não tomo banho. Nós trabalhamos mais de 15 horas por dia. Isso não é vida, não sei o que fazer. Eu quero ir embora ou morrer”, relatou.
Segundo a prima de Luckas, ele foi traficado para “aplicar golpes” em estrangeiros, envolvendo criptomoedas, jogos de azar e investimentos fraudulentos. “A última notícia que tivemos foi que ele estava cheio de hematoma, sem conseguir andar direito pelos castigos que sofreu”, disse um amigo.

Phelipe de Moura Ferreira revelou ao UOL que foi levado ao mesmo local no fim de novembro. “Eles agridem a gente toda hora. (…) Nem falar comigo ele [Luckas] pode, porque eles proibiram desde que eu cheguei aqui. Nos falamos escondidos. Também não podemos demonstrar tristeza, se não nos punem. Se eu sumir já sabe que fizeram algo comigo. Só por favor não manda mensagem para os chineses, não quero que ninguém mais se machuque”, disse o brasileiro nas mensagens enviadas para a sua irmã em dezembro.
“Eles vão tirar nossos órgãos. Como ficar calmo assim?”, escreveu Phelipe ao pai. Antônio revelou que o filho implora para que o resgate chegue logo, entretanto, ele se sente “impotente” diante da falta de informações sobre o que está sendo feito por parte das autoridades brasileiras e locais. Phelipe ainda contou à Antônio que acredita que ele e Luckas serão vendidos em breve: “Eles tiraram umas fotos nossas. Acho que vão vender a gente”.


Ao ser procurado pelo UOL sobre o caso de Luckas, o Itamaraty havia afirmado que “por meio das Embaixadas do Brasil em Bangkok e em Yangon, acompanha o caso, está em contato com as autoridades locais competentes e presta assistência consular aos familiares do brasileiro”. As famílias das vítimas alegaram que autoridades brasileiras dão apenas retornos “protocolares e vagos”.
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