O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) notificou, nesta quarta-feira (12), a Ambev e a Prefeitura de Salvador por exploração de trabalho análogo à escravidão durante o Carnaval. Segundo a fiscalização, 303 vendedores ambulantes de bebidas foram submetidos a condições degradantes e jornadas exaustivas entre os dias 19 de fevereiro e 4 de março no circuito Barra-Ondina.
Os auditores fiscais consideraram que a Ambev não atuou apenas como patrocinadora e fornecedora dos produtos, mas como empregadora dos ambulantes, tendo responsabilidade sobre salários e direitos trabalhistas. A empresa, segundo o relatório divulgado pela coluna de Leonardo Sakamoto no UOL, impôs regras e padrões de venda, colocando os trabalhadores em um regime de “total subordinação”. Já a Prefeitura de Salvador, comandada por Bruno Reis (União Brasil), foi corresponsabilizada por firmar contrato com a empresa, ceder a exclusividade da comercialização e selecionar os ambulantes sem garantir condições dignas de trabalho.
De acordo com o texto, os ambulantes foram submetidos a condições que violam os princípios básicos da dignidade humana. Para garantir pontos de venda, muitos deles passaram dias ou semanas antes das festas dormindo nas ruas, sem acesso a infraestrutura adequada para descanso, higiene ou segurança.
O relatório detalha que os trabalhadores tinham jornadas entre 14 e 20 horas diárias, sem pausas adequadas para descanso e alimentação. “A maioria dos vendedores entrevistados repousavam sobre pedaços de papelão encharcados pelas chuvas, ou em pedaços de espuma e colchões, sob lonas improvisando barracas ou barracas de camping sempre ao lado dos respectivos pontos de vendas”, aponta o documento.
Além da privação de sono, os ambulantes não tinham acesso a condições sanitárias adequadas e sofriam com o calor, a chuva e o barulho constante. Um deles relatou à fiscalização: “A gente faz o Carnaval acontecer e somos escravizados”.
Os auditores fiscais ressaltam que os vendedores não tinham autonomia na atividade econômica, já que seguiam preços e padrões estabelecidos pela empresa. O relatório também aponta que aqueles que descumprissem as regras impostas corriam o risco de perder o direito de trabalhar como ambulantes no Carnaval.
Ambev e Prefeitura se posicionam
De acordo com Sakamoto, a Ambev se manifestou por meio de nota, afirmando que apenas patrocinou o Carnaval e que a venda de produtos foi realizada por ambulantes autônomos credenciados pelo município, seguindo regras do edital de patrocínio. “Assim que tomamos conhecimento da notificação, imediatamente prestamos esclarecimentos ao MTE, fornecendo toda a documentação solicitada. Seguimos à disposição para colaborar com qualquer informação necessária. Nosso compromisso com os direitos humanos e fundamentais é inegociável e não aceitamos qualquer prática contrária a isso”, afirmou a empresa.
Já a Prefeitura de Salvador declarou que tem adotado “diversas medidas para melhorar as condições de trabalho dos ambulantes durante as festas populares” e que “não foi autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em relação a esse assunto”.

Diante da comprovação das violações, os 303 trabalhadores resgatados terão direito a três parcelas do seguro-desemprego pago a vítimas de trabalho escravo. Além disso, uma audiência foi convocada para o dia 26 de março com representantes da Ambev, da Prefeitura e do Ministério do Trabalho para discutir o caso.
O número total de trabalhadores em condições análogas à escravidão pode ser ainda maior, já que o relatório destaca que as inspeções realizadas foram apenas um recorte da realidade enfrentada por milhares de ambulantes durante a festa.
Leia as notas na íntegra:
Ambev
“Em 2025, a Ambev foi patrocinadora do carnaval organizado pela Prefeitura de Salvador. Toda a comercialização de produtos durante o Carnaval na cidade é realizada por ambulantes autônomos credenciados diretamente pela Prefeitura, seguindo as regras estabelecidas em edital de patrocínio, e sem qualquer relação de trabalho ou prestação de serviços com a Ambev.
Assim que tomamos conhecimento da notificação, imediatamente prestamos esclarecimentos ao MTE, fornecendo toda a documentação solicitada. Seguimos à disposição para colaborar com qualquer informação necessária. Nosso compromisso com os direitos humanos e fundamentais é inegociável e não aceitamos qualquer prática contrária a isso”.
Prefeitura de Salvador
“A Prefeitura de Salvador informa que tem adotado ao longo dos últimos anos diversas medidas para melhorar as condições de trabalho dos ambulantes durante as festas populares da cidade, incluindo o Carnaval. A gestão municipal comunica ainda que não foi autuada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em relação a esse assunto.
Entre as ações relativas aos trabalhadores ambulantes realizadas pela gestão municipal no Carnaval, estão a isenção de todas as taxas anteriormente cobradas e o cadastramento 100% on-line, que acabou com as filas e trouxe mais transparência ao processo e conforto para os trabalhadores.
Também houve cursos de capacitação para os ambulantes, entrega de cestas básicas e kits de higiene, instalação de banheiros equipados com chuveiros e pontos para carregamento de celular e máquina de cobrança. Além disso, a Prefeitura acolhe durante o período do Carnaval os filhos de ambulantes cadastrados pela Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop) para trabalhar na festa. O programa Salvador Acolhe tem capacidade para atender até 600 crianças e adolescentes e foi conhecido este ano pela ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo.
Os avanços no ordenamento do comércio ambulante também foram reconhecidos pela população soteropolitana. Uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Cultura e Turismo (Secult), em parceria com a Ouvidoria Municipal, aponta que 96% das pessoas aprovam as ações da Prefeitura nessa área. O levantamento ouviu 5.892 pessoas.
Por entender o Carnaval como um período em que os trabalhadores ambulantes têm uma oportunidade para incrementar a renda ou até mesmo garantir seu sustento nos meses seguintes, a Prefeitura tem atuado continuamente para garantir a cada ano melhores condições para esta categoria. Mais de 4,3 mil ambulantes foram licenciados para o Carnaval, movimentando um contingente de mais de 20 mil pessoas envolvidas na comercialização de produtos nos circuitos”.
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