A Justiça de São Paulo rejeitou nesta segunda-feira (31) a denúncia do Ministério Público (MP) contra o médico obstetra Renato Kalil por lesão corporal e violência psicológica, no caso envolvendo Shantal Verdelho. O juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida Oliveira, da 25ª Vara Criminal de São Paulo, pediu o arquivamento da denúncia e afirmou que não foram apresentadas provas suficientes para justificar erro médico ou procedimento inadequado no parto de Domenica, a segunda filha da influenciadora, em setembro de 2021.
“Segundo nossa opinião, não se verifica a existência de um fundado motivo (justa causa) para o desenvolvimento de uma ação penal, até o momento, não existindo provas da ocorrência de crimes imputados, do que decorre a rejeição da ação penal pública”, disse o magistrado. “O eventual desvio ético pode ensejar sanções administrativas, mas isso não redunda, necessariamente, em infrações penais, as quais dependem de materialidade provada previamente”, completou.
De acordo com O Globo, Oliveira definiu as acusações como uma tentativa de “endemoninhar” o acusado e “destruir sua carreira”. O juiz chegou até a mencionar a morte da esposa de Kalil depois que houve a repercussão das queixas, mesmo com as circunstâncias deste ocorrido ainda sendo investigadas.
Acusações de violência obstétrica
No final do ano passado, vídeos vazados na internet mostraram humilhações e xingamentos ditos pelo obstetra durante o parto da filha de Shantal, como “Ela não faz força, essa viadinha!”; “Ficou toda arrebentada”; e “vou ter que dar um monte de pontos na perereca dela”. Sobre as falas do médico, Oliveira falou que “foram reunidas fora de um contexto temporal, já que o parto durou seis horas”.
Para o juiz, “embora reprováveis as palavras de baixo calão no ambiente cirúrgico, acompanhando as imagens, não se verifica dolo do investigado de causar sofrimento moral ou humilhações na vítima com os palavrões proferidos”. “O que foi passado ao juízo é que havia um nervosismo do médico em continuar com algo que ele estava vendo que não iria dar certo”, complementou.
Já em relação às acusações de violência psicológica, o magistrado argumentou que deveria ter apresentado o laudo como prova. “Ao que tudo indica nos autos, necessário seria uma apuração do ocorrido através de peritos especializados e em condições de verificarem todos os procedimentos do médico no campo ético, o que não foi apresentado nos autos”, justificou ele. “Todos os crimes imputados exigem a demonstração das suas materialidades e de dolo, o que não foi apresentado pelo Ministério Público (…) Inclusive, os abalos psicológicos alegados pela vítima necessitavam de uma avaliação técnica-psiquiátrica para estabelecimento do nexo causal”, acrescentou.
Na denúncia feita pelo MP, também foi apresentada uma acusação da influenciadora de que o obstetra teria realizado a manobra de Kristeller, o que ela alega que teria causado uma laceração perineal violenta e desnecessária com as próprias mãos. Na decisão, Oliveira tomou como base o exame do Instituto Médico-Legal (IML), mas rebateu que houve qualquer procedimento fora do padrão durante o parto.
“Respeitosamente, como se observa pelo que foi exposto, não foi constatado erro médico ou procedimento inadequado por parte do médico e que por si só tenham causado as lesões verificadas na região vaginal da vítima, em especial no seu períneo”, afirmou ele. “A própria situação anatômica da vítima, pessoa de compreensões físicas menores, a passagem do feto (da sua cabeça) pelo canal de parto poderiam ter causado as lesões e não necessariamente os procedimentos tomados pelo investigado”, concluiu ele.
Ainda segundo O Globo, foi citado no ofício que os peritos médicos Gustavo José Politzer Telles, Márcio Bassanezi e José Luiz de Menezes Gomes confirmaram que houve uma laceração perineal de segundo grau, com laceração de mucosa vaginal, o que “pode ocorrer pela passagem do feto pelo canal do parto”. Eles explicaram que este é um ferimento comum em parto natural e que não tinham indícios que o corte foi causado pela manobra feita por Kalil com as mãos. Os profissionais também disseram que esta foi uma saída escolhida pelo médico para facilitar a visão do bebê e o parto.
Denúncias de outras vítimas
O magistrado também rejeitou o trecho que mencionava as denúncias de outras 15 mulheres. Após a repercussão do caso de Shantal, elas alegaram que teriam sido assediadas por Kalil durante procedimentos ou consultas. Carlos Alberto disse que as queixas “não dizem respeito ao caso (de Shantal), ou seja, deveriam ser guardadas para outras apurações”.
“Ao contrário do que pretende o Ministério Público, não se verifica nos autos, um fundado motivo para uma ação penal pelo que constou imputado na denúncia”, escreveu. “Como é sabido, o processo penal atinge muito mais do que o patrimônio de uma pessoa, razão pela qual deve ser guardado para situações em que se verifica a necessidade, adequação e fundada razão de se existir, o que não se verifica no presente caso por tudo que foi exposto (…) O caso impõe a todos a reflexão sobre a necessidade de se tomar muita cautela, em um momento de grande desenvolvimento e da universalização da informação, onde heróis e vilões podem ser criados, bem como diante de pressões midiáticas cada vez maiores, para ser evitado o excesso de equívoco”, finalizou ele.
Pronunciamento de Shantal
Em um comunicado divulgado pela assessoria de imprensa, Shantal comentou a decisão. “A assessoria de imprensa de Shantal Verdelho informa que ela recebeu com surpresa e indignação a decisão da Justiça em rejeitar o pedido, que foi assinado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo. Shantal sofreu violência obstétrica comprovada nos autos e vai recorrer da decisão por intermédio do seu advogado, Sergei Cobra. Também confia que o Ministério Público vai recorrer da decisão por entender a gravidade das condutas de Kalil não só com ela, mas contra dezenas de mulheres, que depuseram nos autos da investigação”, declarou.
“A denúncia do Ministério Público aponta a lesão corporal de Shantal comprovada por laudo (que o juiz ignorou) e é um passo fundamental rumo aos direitos de um parto digno e respeitoso às mulheres e isso não pode ser prejudicado por uma leitura e decisão de um único juiz. Nos autos do processo há documentos que comprovam de forma evidente que Renato Kalil é um importunador em série, na violência de agressão e importunação sexual. Shantal confia que o Tribunal de Justiça de São Paulo irá reverter essa decisão e punir o médico obstetra”, concluiu.
O advogado da influencer, Sergei Cobra, também se pronunciou sobre a situação. “O juiz se baseou apenas no laudo do IML para afirmar que não houve lesão e está se restringindo a isso. Mas o caso está muito além. Temos um laudo particular juntado nos autos que mostra que houve, sim, lesão corporal. Ele (o magistrado) errou e nós temos certeza de que o tribunal vai corrigir isso. Nós vamos recorrer”, garantiu ele.
Defesa de Renato Kalil
Por meio de nota, o advogado do médico, Celso Vilardi, disse que a decisão “faz justiça à conduta do obstetra”. “Não houve qualquer erro médico, conforme atesta perito judicial e, agora, como reconhecido pelo Juiz da causa. Da mesma forma, a justiça reconheceu que algumas palavras, de fato inadequadas, foram retiradas de contexto e que o vídeo em sua íntegra demonstra que o médico queria era o nascimento da criança em perfeitas condições, o que de fato aconteceu”, comentou.
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