Demitida do SBT em agosto de 2020, Rachel Sheherazade move uma ação na Justiça contra a emissora, pedindo R$ 20 milhões de indenização. De acordo com o processo, obtido pelo site Notícias da TV, a jornalista afirma nunca ter recebido nenhum direito trabalhista ao longo dos mais de nove anos de trabalho na casa. A profissional ainda acusa Silvio Santos de assédio moral e humilhação, alegando também ter sido vítima de censura e boicote por parte da chefia de jornalismo do canal.
Um dos episódios destacados na ação, protocolada em 11 de março, na 3ª Vara do Trabalho de Osasco (SP), aconteceu durante a cerimônia do Troféu Imprensa de 2017. Na ocasião, Sheherazade foi prestigiada com o troféu internet de “Melhor Apresentadora de Telejornal”. A paraibana diz ter sido humilhada por Abravanel em rede nacional, após receber recomendação do patrão para não mais expor opiniões políticas na televisão.
O processo destaca uma fala específica feita pelo dono do baú: “Eu te chamei para você continuar com a sua beleza, com a sua voz, foi para ler as notícias, e não dar a sua opinião. Se quiser falar sobre política, compre uma estação de TV e faça por sua própria conta”.
A defesa da apresentadora avalia tal comportamento de Silvio como depreciativo, preconceituoso, vexatório, humilhante e constrangedor, assim como “nitidamente machista, colocando a figura feminina numa posição em que a beleza física é supervalorizada em detrimento dos atributos intelectuais”. Por conta da exposição negativa e forte repercussão do caso, os advogados pedem indenização de R$ 500 mil por danos morais.
Censura e boicote
Por diversas vezes, falas de Rachel no comando do “SBT Brasil” geraram polêmica. Conhecida por fazer comentários críticos sobre governantes, certas opiniões dela não agradaram algumas figuras, como o empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da “Havan” e um dos maiores patrocinadores da emissora. Em agosto de 2019, ele pediu publicamente nas redes que Sheharazade fosse demitida por Abravanel. O motivo seria uma discordância da profissional frente a medidas do presidente Jair Bolsonaro.
No mesmo mês, a jornalista, por represália às publicações nas redes sociais, foi proibida de comandar o telejornal nas edições de sexta-feira. “Silvio Santos a afastou da apresentação do telejornal SBT Brasil, como nítida forma de punição em razão de seus comentários e opiniões, bem como reduziu seu espaço no ar”, afirma a defesa da apresentadora.
Também foram apontados nos anexos da ação, supostos boicotes por parte de colegas de trabalho. Prints de uma conversa entre Rachel e José Occhiuso, diretor de Jornalismo do SBT, revelam reclamações por parte da jornalista sobre o desequilíbrio na distribuição de tarefas importantes, como gravações de chamadas e offs do telejornal. Por vezes, o nome da âncora era “esquecido” e somente Carlos Nascimento – também demitido da emissora – era reconhecido.
Além das mensagens, um e-mail enviado por José Roberto Maciel, CEO do SBT, em 17 de outubro de 2014, também serviu como elemento para acusar o assédio moral. Na data, Sheherazade, que então tecia duras críticas a Dilma Roussef na web, pediu afastamento do trabalho para se submeter a uma cirurgia. O executivo então falou sobre a linha editorial da emissora e pediu que a jornalista revisse seu posicionamento político na web, além de reduzir o tom, visto por ele como agressivo e motivo de vergonha para ele e outros colegas de trabalho.
Causa trabalhista
A jornalista iniciou no SBT em março de 2011, como pessoa jurídica, sem ter sua carteira de trabalho assinada, ganhando inicialmente R$ 30 mil mais um bônus de R$ 7 mil para custos com moradia, já que ela residia em João Pessoa (PB) antes de ter sido contratada pela matriz.
Com as subsequentes renovações de contrato, o salário de Rachel teve um crescimento exponencial sendo seu último vencimento pago em outubro de 2020, no valor de R$ 214.108,47, quase 614% maior do que o inicial, conforme comprovantes anexados ao processo.
A defesa de Sheherazade alega, entretanto, que a modalidade “PJ” foi imposta pelo SBT, visando fraudar a legislação trabalhista, previdenciária e fiscal, além do não pagamento de outros direitos que seriam normais se sua contratação tivesse se dado por carteira de trabalho assinada. “Procedimento ilegítimo que o SBT utiliza com a maioria de seu corpo de Jornalismo e apresentadores”, diz o advogado André Gustavo Souza Froez de Aguilar.
Para sustentar a tese, de que a a jornalista era uma funcionária do SBT e não uma prestadora de serviços, foram apresentados vínculos de exclusividade com o SBT, carga horária e subordinação aos diretores da emissora, além de comprovantes de vale-refeição e plano de saúde
Indenização milionária
A defesa de Sheherazade foi extremamente detalhista no levantamento de itens que foram suprimidos de seus ganhos nos quase dez anos de trabalho no SBT como PJ, para chegar aos R$ 20 milhões indenizatórios. Segundo seus advogados, a jornalista tem direito a 57 dias de aviso prévio, no valor de R$ 406.806,09 e à somatória de todos os seus 13º salários, nunca recebidos durante todos os anos em que trabalhou na emissora, o que totalizaria R$ 1.433.065,76.
Além disso, segundo os advogados, Rachel deixou de receber R$ 5.091.010,90 de férias não remuneradas, além de R$ 2.000.882,02 relativos ao FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), acrescidos de R$ 336.806,26 de multa. Ao processo, também foi computado o pagamento da diferença salarial dos reajustes que ela não usufruiu, por não ser contratada no regime CLT, equivalendo à quantia de R$ 9.207.376,89
Ainda foram pleiteados os valores de R$ 259.183.65 sobre trabalhos em feriados e horas extras; participação nos lucros na receita da empresa (PLR pagas aos funcionários do SBT), no valor de R$ 71.876,80; multa por infringência em carteira de trabalho, de R$ 780,44, e integração da remuneração extra para locação de residência à sua base salarial, com encargos trabalhistas embutidos, calculados em R$ 343.528,24.
“Dá-se à presente, o valor de R$19.651.317,00, única e exclusivamente para fins de fixação do rito em ordinário, registrando que o valor dado à causa não vincula o juízo e que não renuncia nenhum valor que o exceder”, conclui a ação.
Audiência marcada
A Justiça Trabalhista marcou a primeira audiência do caso, em que as testemunhas de Rachel Sheherazade e do SBT serão ouvidas pelo juiz, para 3 de agosto, às 10h10. O jornalista Hermano Henning, que também processou o canal de Silvio Santos, falará a favor da ex-colega de trabalho.
Procurada pelo hugogloss.com, a emissora informou que “não comenta sobre questões jurídicas“. Rachel também não se manifestou sobre o caso.