Nesta quarta-feira (20), o vereador Eúde Lucas, do PDT (Partido Democrático Trabalhista), presidente da Câmara Municipal de Jucás, no interior do Ceará, chamou atenção por seus comentários em torno de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A fala acabou se tornando alvo de um inquérito policial.
O comentário de Eúde veio à tona durante um pronunciamento na Câmara de Vereadores do município. No discurso, que foi transmitido online, o vereador desdenhou das mensagens em apoio à atriz Letícia Sabatella, que revelou ao “Fantástico”, neste domingo (17), sobre seu diagnóstico.
Eúde declarou que perdeu o autismo – que se apresenta como transtorno no desenvolvimento do cérebro, causando alterações na comunicação, na interação social e no comportamento – “na peia” ou “na chibata”. “Tem uma declaração que os artistas, os autores, sei lá… tá rondando. Eu digo ‘eu era autista’, só que meu pai tirou o autista na peia. Naquele tempo tirava autista era na chibata. Porque era um menino meio traquina”, declarou ele. Confira abaixo:
Que absurdo! Vereador diz que autismo se resolve “na chibata”. A fala de Eúde Lucas foi em referência a atriz Letícia Sabatella, diagnosticada com autismo. pic.twitter.com/MShBLWhqoJ
— Lázaro Rosa 🇧🇷 (@lazarorosa25) September 20, 2023
A fala causou revolta entre os internautas e, durante o Expediente da sessão plenária de ontem (20), os parlamentares utilizaram a tribuna da Câmara Municipal de Fortaleza para repudiar a atitude de Lucas. O presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos das Pessoas com Transtorno do Espectro Autista, o vereador Márcio Martins (SD), classificou a fala como “criminosa e desumana”.
Com a repercussão, Eúde se manifestou. Em nota ao g1, ele alegou que “não teve a intenção de ofender” e que se expressou de maneira equivocada. O político ainda “lamentou profundamente que tenha sido mal interpretado” e disse que, em sua fala, referiu-se ao próprio passado, uma vez que recebeu tal tratamento do pai.
Inquérito
Nesta quinta-feira (21), a Polícia Civil do Ceará revelou que abrirá um procedimento para investigar as falas do vereador. O intuito é apurar se o parlamentar infringiu o artigo 88 da lei 15.146/15, que prevê crime de discriminação contra pessoa com deficiência.
Além da ação da polícia, o g1 revelou que o advogado Emerson Damasceno, presidente da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da OAB Nacional, acionou o grupo, que está estudando as medidas que podem ser tomadas contra a fala do vereador. “É no mínimo muito lamentável que isso seja reverberado dessa forma numa Casa Legislativa”, lamentou Damasceno, que é, ainda, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB no Ceará.
Emerson também repudiou a descriminação contra pessoas no espectro. “Obviamente [deficiência] não é algo a ser tratado com violência, não é algo que será expurgado, não é algo a ser curado. A deficiência é uma característica de milhões de pessoas no âmbito do país. E obviamente não é algo a ser tratado desta forma discriminatória, perigosa e que inclusive pode ensejar mais violência, mais discriminação, mais exclusão e mais capacitismo”, ressaltou.
Ainda de acordo com o advogado, Eúde Lucas pode ser enquadrado pela Lei Brasileira de Inclusão, aprovada em 2015, que tem como objetivo assegurar e promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.
A OAB está avaliando entrar com uma ação contra o parlamentar com base na legislação. “A discriminação de pessoas em face de sua deficiência é tipificada como crime no país, ela pode punir de 1 a 3 anos de reclusão, além de multa. E se for feita através de mecanismo de comunicação social, de dois a cinco anos de reclusão. Então se [o discurso] vier a ser tipificado como discriminação, isso pode levar a condenação de uma pessoa de dois até cinco anos”, indica.
Damasceno reforçou a importância da conscientização em torno da discriminação. “O número de denúncias vem aumentando de forma contundente, as pessoas estão muito mais informadas sobre os seus direitos, as pessoas não estão mais deixando passar esse tipo de situação porque elas já sabem que não é uma situação que deva ser deixada de lado, que aquilo ali pode ser caracterizado como crime. E o Judiciário quando provocado está começando a fazer a jurisprudência necessária”, declarou ao g1.
“É muito importante que as pessoas cada vez mais saibam que não se trata de uma mera brincadeira, que não é brincadeira, que não é humor, que não é só uma opinião. Opinião eu tenho direito de dar, você tem o direito de estar, mas também tem o dever de responder por aquilo que você eventualmente comete através da liberdade de expressão”, finalizou.
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