Maníaco do Parque: Fonoaudióloga revela o que descobriu ao trocar 50 cartas e visitá-lo 10 vezes

Maníaco do Parque: Fonoaudióloga revela o que descobriu ao trocar 50 cartas e visitá-lo 10 vezes

A fonoaudióloga luso-brasileira Simone Lopes Bravo revelou em entrevista ao UOL, nesta quinta-feira (31), que por dois anos trocou cartas com Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque. Movida pela curiosidade do caso, ela explicou que começou a fazer pesquisas sobre a área da psiquiatria e mandou cartas para detentos, mas apenas o serial killer a respondeu. A mulher ainda contou como foram as dez visitas que fez na prisão e a experiência com o brasileiro.

Francisco foi condenado a mais de 200 anos de prisão pela morte de sete mulheres em 1998, e confessou o assassinato de onze vítimas, além de 23 ataques. Ele está recluso na Penitenciária de Iaras (SP), onde não recebia visitas havia dez anos, até ser abordado pela fonoaudióloga. As conversas deram origem ao livro “Maníaco do Parque: A Loucura Lúcida”.

Troca de cartas

“Sou fonoaudióloga e sempre tive vontade de estudar um pouco sobre a área da psiquiatria para exercer meu trabalho. Na pandemia, meus atendimentos abrandaram pelo isolamento social”, afirmou. “Por indicação de um amigo, assisti à série ‘Mindhunter’ (que investiga a psicologia do assassinato), que me fez pensar muita coisa. A ideia de escrever um livro foi amadurecendo com o tempo e a curiosidade”, esclareceu ela.

Simone, então, narrou como o contato teve início. “Escrevi uma carta para oito reclusos de Portugal e do Brasil. Desses, só um me respondeu: o Francisco [de Assis Pereira]. Confesso que foi a última pessoa que pensei que fosse me responder”, salientou. Segundo a profissional, ele foi “muito solícito”.

“Queria saber do projeto, receber minha visita. Foi uma carta direta, parecia que estava feliz e se disse ‘convertido’. Ele disse que minha carta chegou com propósito, como uma resposta de Deus para ele”, recordou ela. O Maníaco do Parque não recebia visita há 10 anos, algo que angustiava seus familiares.

Fonoaudióloga constatou que Francisco, o Maníaco do Parque, é uma pessoa doente (Foto: Reprodução/Band)
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“A família dele sofreu muito por tudo o que aconteceu, e sofre até hoje. Eles são de uma zona rural empobrecida e não têm condições de fazer visitas regulares. Cheguei a visitá-los algumas vezes e enviar recados do Francisco para a mãe e vice-versa”, revelou a fonoaudióloga. “Desde então, foram mais de 50 cartas trocadas, e até hoje continuamos. O tema central dele é espiritualidade, tanto é que a primeira coisa que ele pediu para eu levar era uma Bíblia”, relatou.

Em seguida, Bravo descreveu como acontecia essa troca de cartas. “Morava em Portugal na época e minha irmã, em Taubaté, me ajudava a intermediar os envios das cartas porque era mais fácil enviar por email para ela, que imprimia e entregava, do que enviar direto de Portugal. Ela tirava foto da resposta e me enviava. E foi assim nesses dois anos e meio”, afirmou ela.

“Nesse meio tempo, recorri a um psiquiatra, que me deu obras para ler sobre o tema e fui estudando ao longo do projeto. A ideia era que ele fizesse a assessoria dessa troca de correspondências. Muitas vezes precisava da ajuda do psiquiatra para decodificar o que o Francisco dizia, porque o pensamento dele é desorganizado. Às vezes, só escrevia sobre a Bíblia. Outras vezes, perguntava, como todo recluso, quando eu iria vê-lo. [Ele] começava um assunto, terminava em outro. O que mais me chamava atenção era a desorganização do pensamento”, destacou.

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Visitas ao presídio

Segundo Simone, ela esperou cerca de um ano para visitar Francisco na penitenciária. “Para visitá-lo, tive de esperar muito tempo. Poderia entrar com uma declaração de amásia [que comprova vínculo afetivo], mas sempre deixei muito claro que queria autorização da minha visita explicando meu objetivo”, ressaltou.

“Ele até queria que eu entrasse com amásia, porque assim poderia estar em duas semanas lá dentro, mas nunca quis dar essa expectativa”, enfatizou a profissional. Contudo, ao passar do tempo, ela disse que o criminoso começou a confundir a relação que existia entre eles. “Acho que no início ele confundia um pouco as coisas. Ora me chamava de doutora, ora de meu amor, às vezes me dava nomes como ‘bonequinha’ ou chamava pelo meu nome. Às vezes, eram todos estes nomes na mesma carta”, listou ela.

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A fonoaudióloga reforçou que, apesar do desentendimento, sempre deixou clara sua posição. “Depois de esperar a norma de seis meses após a inclusão do meu nome na lista [de visitantes], tive de pedir ajuda a uma advogada para poder visitá-lo porque ainda não havia sido liberada. Esperei cerca de um ano para a primeira visita acontecer. Não pensava muito sobre encontrá-lo, só pensava no próximo passo. E, quando aconteceu, já tínhamos estabelecido um elo devido às cartas”, explicou.

Em seguida, Lopes comentou que, com a autorização de visitas deferida, ela se mudou para o Brasil. “Em abril de 2023, a juíza deu um parecer favorável para minha visita e consegui ir ao Brasil em maio daquele mesmo ano. Decidi me mudar para o Brasil em junho, para concluir o projeto, porque não conseguiria fazer de Lisboa. Estava preparada para isso porque estudei e segui um protocolo”, argumentou.

A mulher também detalhou como eram os encontros com o criminoso. “A visita foi por parlatório, entre vidro e com um telefone. Só tinha duas horas para estar com ele. Fui bem recebida e havia proximidade, mas a comunicação nunca é fácil porque sempre há manipulação e confusão”, analisou ela.

Francisco foi condenado a mais de 200 anos de prisão (Foto: Reprodução/g1)
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“Com a proximidade, ele também demonstrava curiosidade e acabava falando da minha vida, com naturalidade. Queria saber como era minha vida em Portugal, o nome da minha filha. Sabia sobre minha família, já que minha irmã era quem me ajudava com as cartas, então tinha de explicar minha conexão com Taubaté”, falou.

Simone, por sua vez, deixou evidente sua opinião sobre a condenação do assassino. “Sei da periculosidade dele e o vejo como um ser humano muito doente. E que não pode estar novamente em sociedade. Ele chegou a perguntar para mim uma vez como seria se ele fosse solto em 2028 [quando deve passar por uma reavaliação]. Francisco disse que, para ele, estava tudo bem se ele não fosse solto. Mas isso é o que ele diz, o que se passa na cabeça dele nunca vamos saber de verdade”, constatou.

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Pressão e conversas com o Maníaco do Parque

Ao UOL, Lopes disse que não podia levar nenhum objeto quando entrava na penitenciária. “Nossas conversas eram sobre tudo, de forma muito orgânica. Mas, na hora de fazer o livro, entrei nas perguntas. Nessa fase, tinha de ser muito específica, porque ele nunca me falava os pormenores ou detalhes”, lembrou.

“Às vezes, via que ele tinha necessidade de falar outras coisas e seguia com isso. Ou que desviava da pergunta e eu tinha de deixá-lo falar, para então retomá-las. E às vezes eu notava que ele não queria responder. Era notório. Mas eu tinha de fazer as perguntas. Era uma pressão tremenda”, desabafou.

“Na saída da penitenciária, tinha um posto de gasolina, onde ficava por um tempo colocando tudo no papel, para não esquecer nada. Estava absorvida por aquele projeto”, confessou. A fonoaudióloga ainda mencionou a forma com que Francisco articulava os fatos para que estivessem a seu favor.

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“Nessa fase das perguntas, não posso dizer que as conversas não foram emocionalmente impactantes. A manipulação dele era nítida. Quando ele não concordava com algo, manipulava para as coisas serem como ele queria que fosse. Isso tanto nas respostas quanto no comportamento”, mencionou Lopes.

Com o livro concluído, ela voltou para Portugal. “Não houve uma despedida formal e, mesmo que tivesse tempo para isso, não sei se faria, porque não sei como ele reagiria. A advogada que me ajudou a entrar na penitenciária foi quem avisou que eu estava retornando”, comentou.

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Pessoa doente

Simone ressaltou que, apesar de seu retorno ao país estrangeiro, o contato com Francisco continua. “Agora nós nos escrevemos por cartas e quem faz a mediação é a advogada. Tenho plena noção de que ele é uma pessoa doente, do mais grave nível”, garantiu.

“E acho que as patologias mentais ainda são um tabu na sociedade e nosso sistema carcerário não está preparado para isso. A psiquiatria é uma especialidade que ainda tem pouco investimento. Deveria ter um sistema voltado para esse tipo de recluso”, sugeriu a profissional, por fim.



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