A atriz Nabiyah Be, conhecida por interpretar a vilã Linda em “Pantera Negra” (2018), tem um longo histórico com a música. Filha do icônico cantor de reggae jamaicano Jimmy Cliff com uma brasileira, a artista nasceu em Salvador, na Bahia. Ao longo dos anos, ela teve sua própria “iniciação” nos palcos, trabalhando como backing vocal de grandes nomes da MPB, como Daniela Mercury e Carlinhos Brown, mas foi em “Daisy Jones & The Six” que realmente ouvimos seu vozeirão pela primeira vez.
Na trama, Nabiyah interpreta Simone Jackson, uma das divas pioneiras da música disco na década de 1970, e, também, melhor amiga da protagonista, Daisy Jones (Riley Keough). Em conversa com o hugogloss.com, a atriz revelou que, diferentemente do best-seller de Taylor Jenkins Reid, ela precisou expandir o universo da personagem, que tem um papel muito maior na minissérie do Prime Video.
“Eu li o livro, me familiarizei com o livro durante meu processo de testes, mas logo quando eu compreendi que a Simone seria um pouco diferente, mais expandida, eu decidi focar nos roteiros. E, talvez, a minha experiência seja um pouco mais singular, comparando com meus colegas de elenco, por ela ter tido muito mais diferenças do livro para a tela do que as outras personagens”, refletiu Be.
A construção dessa história se deu, em parte, pela experiência pessoal de Nabiyah como artista. “Eu sinto que a Simone talvez seja a personagem que tem as experiências mais reais do que é ‘transitar’, por assim dizer, de fazer sonho virar uma realidade com fama. Em alguns momentos, foi difícil no sentido de ter sido uma experiência pessoal. Eu sei o que é ser uma cantora e compositora transitando nessa indústria. E eu sinto muito orgulho de poder ser hoje uma mulher emancipada, poder ter acesso a ferramentas que me empoderam, poder falar a minha verdade, poder cantar a minha verdade. Quando houve pessoas como a Simone que não puderam fazer isso”, pontuou.
Discussões relevantes
Nas páginas de Jenkins Reid, Simone Jackson atua como a rede de apoio de Daisy Jones e é descrita como a “estrela-guia” da protagonista, que enfrenta relacionamentos tóxicos, rejeição da família e, ainda, a batalha contra o vício em drogas. A amizade inter-racial com Daisy foi um dos aspectos mais explorados pela atriz, pois demonstra os “dois lados da moeda” na vivência.
“Ser amiga da Riley é muito fácil! Nessa parte a gente não teve que forçar muita coisa, não. Mas a gente conversou bastante sobre duas coisas. Primeiro: por que uma precisa da outra? Com a Daisy, a gente tem a história dos pais dela, dá para entender que ela está sendo negligenciada. Mas com a Simone, eu sinto que são duas pessoas que transitam, e que vivem a vida de uma maneira muito solitária. E talvez na maneira da Simone viver a vida, essa solidão é muito mais estratégica. Ela não pode chegar sendo a durona e sair destruindo as coisas, sair falando o que quer. Ela não tem esse privilégio, então a estratégia dela é muito mais… Ela está sempre sorrindo. Ela está sempre de boa. E a gente conversou muito sobre o que significava essa dinâmica entre duas amigas inter-racial naquela época. Apesar de não ter muito isso nos primeiros episódios, a gente chega a ter um gostinho do que isso significa no episódio 7”, detalhou.
No entanto, as batalhas de Simone não param por aí, já que para além de ser uma mulher preta, ela também integra a comunidade LGBTQIA+. Esses aspectos abriram portas para discussões relevantes, como o preconceito e as barreiras impostas às pessoas queer e pretas no meio artístico, enquanto Jackson observa a amiga branca atingindo o sucesso nas paradas musicais.
Para entregar uma performance poderosa e construir a personagem, Nabiyah usou sua experiência e imaginação. “Essa força eu sinto que está no DNA. Talvez seja uma virtude que muitos de nós já carregamos, que a gente precisa se abrir mais para o amor mesmo. Que é uma das coisas que a gente vê, duas mulheres negras se amando. Um romance feliz”, começou. “Na construção da personagem, eu dividi muito com o Will [Graham, produtor da série], eu escrevi uma biografia. Apresentei para ele, convocamos uma reunião entre os escritores. Eu sabia que haveria essa grande responsabilidade de construir toda essa área cinzenta, esse meio da história dela, que no livro não existe. Tem a parte A, a parte B, mas o meio não tem. E eu sabia que viria muito de mim, porque eu sabia que sou e era uma das poucas negras naquele espaço. Então é compreender como… O que significava se abrir para o amor e a facilidade do corpo negro de, às vezes, lidar mais com a dor, com o sofrimento, do que saber lidar se abrindo para receber amor. Já que era para ela estar sendo amada por uma pessoa, e como isso era assim… Ainda nesse lugar de não se sentir segura sendo amada”, elaborou.
A preparação envolveu, também, uma pitada do “tempero brasileiro”, que Be fez questão de enaltecer. “Eu sinto que o trabalho de atuação, muitas vezes, meio que a gente empresta o nosso corpo. É um processo espiritual de realmente dividir a nossa experiência da maneira mais verdadeira possível. E, musicalmente, eu escutei muito uma playlist que tem no Spotify chamada “Brazilian Disco Funk”. De uma certa forma para me ajudar a personalizar a história da Simone com a minha. E eu sinto que essa abertura… A Simone me demandou muito uma paciência e uma compreensão, uma abertura de coração que talvez eu, como mulher, com muito acesso à arte, às ferramentas e discussões sociopolíticas… Talvez a gente esqueça de se permitir ter essa abertura de coração realmente. Ela realmente me pediu muita, muita compaixão. Esse nível de paciência que ela tem com a Daisy, talvez eu não teria. Talvez eu seria muito mais direta. Então foi um aprendizado”, concluiu.
Confira abaixo o bate-papo na íntegra:
HG – Primeiro de tudo, quero te parabenizar! Acho que você é incrível como Simone! Como é que você se sentiu agora que a série está disponível depois desse processo tão longo, que demorou pra chegar nas telas? E como você recebe a reação dos fãs?
NB – Realmente foi um processo bem longo e está sendo incrível. As pessoas estão recebendo muito bem. Eu fico muito feliz quando mais brasileiros descobrem que eu sou brasileira. Estou achando engraçado também. E é realmente um processo muito gratificante.
HG – O fandom de Daisy Jones é incrível e esse é um projeto que tem muito hype! Você já conhecia o livro? Como reagiu ao sucesso da série na internet? Já estava acostumada, depois de sua passagem pela Marvel?
NB – Eu li o livro, me familiarizei com o livro durante meu processo de testes, mas logo quando eu compreendi que a Simone seria um pouco mais diferente, mais expandida, eu decidi focar nos roteiros. E, talvez, a minha experiência seja um pouco mais singular, comparando com meus colegas de elenco, por ela ter tido muito mais diferenças do livro para a tela do que as outras personagens.
HG – Como você mencionou, tivemos a oportunidade de ver um universo expandido no caso da Simone. Vemos muito mais sobre ela na série do que no livro. E ela é uma personagem muito complexa e com muitas lutas internas. Quais foram os maiores desafios que você enfrentou ao trazê-la à vida?
NB – Eu sinto que a Simone talvez seja a personagem que tem as experiências mais reais do que é ‘transitar’, por assim dizer. Vamos dizer… De fazer sonho virar uma realidade com fama. Em alguns momentos, foi difícil no sentido de ter sido uma experiência pessoal. Eu sei o que é ser uma cantora e compositora transitando nessa indústria. E eu sinto muito orgulho de poder ser hoje uma mulher emancipada, poder ter acesso a ferramentas que me empoderam, poder falar a minha verdade, poder cantar a minha verdade. Quando houve pessoas como a Simone que não puderam fazer isso.
HG – Você é cantora na vida real, como você mencionou… Foi estranho para você emprestar sua voz para Simone? Como a sua própria experiência como artista influenciou na construção dela? E, também, o que você teve que mudar no seu canto, na sua performance para interpretar essa diva disco?
NB – Ótima pergunta. Eu sou uma artista que tem um background super eclético. Eu tenho acesso e consumo culturas diversas, falo mais de uma língua. Cresci nos anos 90, escuto [muita coisa], enfim. Então, quando a gente foi gravar lá o “Song For You”, do episódio 2, naquele primeiro take – que eu até gosto mais – o primeiro take ele é muito a minha cara. No sentido das nuances, o fraseamento, muitos melismas, dá pra ver realmente que não é uma cantora, primeiramente, dos anos 70. Porque dá pra ouvir em certas nuances, são nuances que vocalmente chegaram mais dentro do circuito pop depois. E, às vezes, dá pra ouvir que eu sou uma pessoa totalmente brasileira e jamaicana. No meu fraseamento, não necessariamente no sotaque. Então a gente refez aquele take para que eu honrasse mesmo [a música da época], que fosse uma cantora americana de soul dos anos 70.
Pra mim foi superimportante fazer todas as performances ao vivo. Eu acho que não entrou tudo, entrou uma grande parte. No episódio 7, vemos muito mais. Estar cantando ao vivo é essencial, mas também foi valioso ter o aspecto um pouco até da exaustão. A Merry Clayton, que é uma artista e foi a vocalista de background da música “Gimme Shelter” dos Rolling Stones… Se você ouvir os vocais isolados dela nessa canção, você vai ouvir a voz dela quebrando… Pelo aspecto da exaustão. As cantoras faziam de 3 a 6 shows em uma noite. Pra mim era necessário ter isso, claro que até onde fosse fisicamente possível, mas eu quis fazer jus.
HG – A Simone é uma presença constante na vida da Daisy, e fica claro desde o começo que a conexão delas é muito especial. Como a autora Taylor Jenkins Reid descreve no livro, ela é a estrela-guia da protagonista. Como foi sua conexão com a Riley [Keough]? Vocês fizeram algum exercício para ter tanta química?
NB – Ser amiga da Riley é muito fácil! Nessa parte, a gente não teve que forçar muita coisa, não. Mas a gente conversou bastante sobre duas coisas. Primeiro: por que uma precisa da outra? Com a Daisy, a gente tem a história dos pais dela, dá para entender que ela está sendo negligenciada. Mas com a Simone, eu sinto que são duas pessoas que transitam, e que vivem a vida de uma maneira muito solitária. E talvez na maneira da Simone viver a vida, essa solidão é muito mais estratégica. Ela não pode chegar sendo a durona e sair destruindo as coisas, sair falando o que quer. Ela não tem esse privilégio, então a estratégia dela é muito mais… Ela está sempre sorrindo. Ela está sempre de boa. E a gente conversou muito sobre o que significava essa dinâmica entre duas amigas inter-racial naquela época. Apesar de não ter muito sobre isso nos primeiros episódios, a gente chega a ter um gostinho do que isso significa no episódio 7.
HG: A Simone enfrenta os desafios que aparecem para ela como mulher e como uma mulher preta, com muita força. Como foi pra você trazer isso?
NB – Essa força eu sinto que está no DNA. Talvez seja uma virtude que muitos de nós já carregamos, que a gente precisa se abrir mais para o amor mesmo. Que é uma das coisas que a gente vê, duas mulheres negras se amando. Um romance, ‘a joyful romance’ (um romance feliz), e alegres e felizes. Na construção da personagem, eu dividi muito com o Will [Graham, produtor da série], eu escrevi uma biografia. Apresentei para ele, convocamos uma reunião entre os escritores. Eu sabia que haveria essa grande responsabilidade de construir toda essa área cinzenta, esse meio da história dela, que no livro não existe. Tem a parte A, a parte B, mas o meio não tem. E eu sabia que viria muito de mim, porque eu sabia que sou e era uma das poucas negras naquele espaço. Então é compreender como… O que significava se abrir para o amor e a facilidade do corpo negro de, às vezes, lidar mais com a dor, com o sofrimento, do que saber lidar se abrindo para receber amor. Já que era para ela estar sendo amada por uma pessoa, e como isso era assim… Ainda nesse lugar de não se sentir segura sendo amada.
HG – No livro, a Simone foi baseada numa mulher brasileira. Você teve a chance de conhecê-la, o que achei incrível! Como você trouxe esse gostinho brasileiro pra dentro da Simone?
NB – A Júlia [Furlan, melhor amiga da autora Taylor Jenkins Reid]! Eu sinto que o trabalho de atuação, muitas vezes, meio que a gente empresta o nosso corpo. É um processo espiritual de realmente dividir a nossa experiência da maneira mais verdadeira possível. E, musicalmente, eu escutei muito uma playlist que tem no Spotify chamada “Brazilian Disco Funk”. De uma certa forma para me ajudar a personalizar a história da Simone com a minha. E eu sinto que essa abertura… A Simone me demandou muito uma paciência e uma compreensão, uma abertura de coração que talvez eu, como mulher, com muito acesso à arte, às ferramentas e discussões sociopolíticas… Talvez a gente esqueça de se permitir ter essa abertura de coração realmente. Ela realmente me pediu muita, muita compaixão. Esse nível de paciência que ela tem com a Daisy, talvez eu não teria. Talvez eu seria muito mais direta. Então foi um aprendizado.
HG – Qual foi a cena que você mais amou e qual é a sua memória favorita do set? O que mais te marcou nessa trajetória até agora?
NB – Bom, dando spoiler, mas… Todo o episódio 7 foi gravado na Grécia, a gente trouxe esse universo de 1970, as discotecas nova-iorquinas de 1970 para Atenas. E foi super mágico. A gente também gravou numa ilha lá chamada Hydra. É uma ilha que não tem acesso a carros. Então a gente ia gravar de mulas ou a gente pegava barco, a gente escalava montanhas pra ir gravar. Isso foi superespecial.
HG – Você viveu seu próprio Mamma Mia!
NB – Vivi! Então foi superespecial todas as cenas nas discotecas. As cenas com a Riley também… Mas em grupo, no episódio final, a Simone tem uma interação ali com a banda. E por detrás das câmeras, quando a câmera estava na Camila [Morrone] fazendo os close-ups dela, não aparecia a gente no palco, então a gente tava brincando muito. A gente decidia trocar de instrumento, eu peguei a bateria, o Sebastian [Chacon] pegou o microfone, e foi superdivertido!
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