Manno Góes, autor de “Milla”, repudiou veementemente a decisão de Netinho da Bahia de apresentar a canção durante uma um ato pró-Bolsonaro que pedia intervenção militar, realizado no último final de semana (1º), em São Paulo. O músico, inclusive, notificou a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), responsável por divulgar o registro do momento nas redes, exigindo que os vídeos fossem excluídos.
O hit de vários verões e carnavais da década de 90 logo mudou de contexto, ao ser entoado pelas multidões que se aglomeravam em prol do presidente da república. No Twitter, Góes se manifestou sobre o caso. “Netinho ontem cantou ‘Milla’ no ato em que pessoas brancas, na Av. Paulista, gritavam ‘eu autorizo’, para Bolsonaro. Autorizam o quê? Golpe militar? Portanto, eu não autorizo esse ‘débil mental’ (sic) de cantar minha música. Já entrei na Justiça e retirarei todos os vídeos que tiverem isso”, escreveu.
Netinho ontem cantou Milla no ato em que pessoas brancas, na Paulista, gritavam “eu autorizo”, para Bolsonaro. Autorizam o que? Golpe militar? Portanto, eu NÃO AUTORIZO esse débil mental de cantar minha música. Já entrei na justiça e retirarei todos os vídeos que tiverem isso.
— Manno Góes (@_mannogoes) May 2, 2021
Logo na sequência, o compositor se desculpou por usar o termo “débil mental” em sua postagem, e aproveitou para fazer um novo anúncio. “Quero agradecer muito a todos vocês pelas milhares de mensagens de apoio que recebi, depois da repercussão sobre a música Milla’. E quero agradecer muito pela alegria compartilhada pela notícia de que Daniela Mercury irá regravá-la”, comemorou.
Mas quero tratar de um assunto importante: durante meu post, motivado pela indignação de ver uma música minha postada em páginas de extrema direita, durante uma manifestação que pedia atos anti-democráticos, usei um termo equivocado e politicamente incorreto.
— Manno Góes (@_mannogoes) May 3, 2021
E agora é hora de celebrar a alegria dessa nova página que será escrita por MILLA, agora na interpretação de @danielamercury , o símbolo maior da história da música baiana,que tanto nos honrará com sua gravação! Nada como um dia após o outro. 🥰🥰🥰#danielamercury #milla #jammil
— Manno Góes (@_mannogoes) May 3, 2021
Daniela Mercury se manifesta sobre regravação
Em conversa com Fefito, do BuzzFeed, Daniela disse estar “animadíssima para regravar ‘Milla’”. “A música de Manno Góes é um hino de amor e da liberdade. Ela é o oposto do fascismo, que separa as pessoas”, disparou a cantora, enfatizando que a música é feita para celebrar o bem.
“O axé é um gênero que aproxima todo mundo, que traz alegria, união e muitos sentimentos maravilhosos. ‘Milla’ é um hino do axé e não pode nunca ser usada em discursos e manifestações de ódio. ‘Milla’ é nossa! Já estou pensando no arranjo e acho que vai ficar linda! O axé é energia positiva é alegria e amor. Celebra a igualdade, a liberdade, a fraternidade e a democracia. É isso que protejo como Rainha do Axé”, declarou.
A artista também se manifestou sobre o caso, no Twitter. “Manno Góes, meu amigo querido! Eu entendo a sua agonia! Por isso, vou gravar Milla. Essa música é amor, é liberdade! ‘Milla’ é nossa!”, escreveu.
@_mannogoes , meu amigo querido! Eu entendo a sua agonia! Por isso, vou gravar Milla. Essa música é amor, é liberdade! Milla é nossa. #DanielaMercury #MannoGoes #Milla pic.twitter.com/pfz8tWUsxo
— Daniela Mercury (@danielamercury) May 3, 2021
O pedido na Justiça
Em entrevista ao Uol, Góes explicou que não quer e nem pode proibir o intérprete Netinho de cantar “Milla”, mas deixou claro que irá exigir seus direitos como autor, após o que viu divulgado na internet. “Não posso impedir que Netinho cante minha música, mas eu posso impedir que essas cenas filmadas durante essa manifestação permaneçam sendo divulgadas nas redes sociais. Isso estou fazendo”, afirmou.
Netinho e Carla Zambelli receberam notificação extra-judicial no domingo (2), para retirada dos vídeos do ar, mas o pedido, que tem um prazo de 24 horas, não foi atendido. Agora, o advogado do compositor protocolará uma ação judicial a todos os envolvidos no episódio, o que deverá acontecer até a próxima sexta-feira (7).
“O artista Netinho pode cantar em shows a música ‘Milla’, desde que pague ao Ecad. O que não é lícito é gravar e disponibilizar vídeos na internet utilizando obra musical de terceiro com a finalidade de apoiar um determinado político, sobretudo quando o criador intelectual é veementemente contrário aos ideais desse político”, explicou Rodrigo Moraes, advogado especialista em direito autoral que representa Manno.
Moraes, que também é professor de direito autoral na Universidade Federal da Bahia, apontou outro problema na divulgação dos vídeos sem a autorização de seu cliente. “Houve nítida violação ao direito moral à integridade da obra, pois a música ‘Milla’ não foi criada para essa destinação política, de apoio a um político que fomenta o fim da democracia”, ressaltou.
Há ainda um outro agravante: “A deputada Carla Zambelli viola a Lei de Direitos Autorais ao continuar exibindo esse vídeo em sua página oficial do YouTube, mesmo após formalmente notificada”. Além do pagamento pelos direitos autorais, é necessária a autorização dos autores da música, para que a mesma seja utilizada em vídeos de redes sociais, TV e até mesmo passeatas filmadas e divulgadas publicamente, como o caso do último sábado.
“Milla” é assinada em parceria com Tuca Fernandes, mas basta que um dos autores discorde de sua utilização, para que a música seja barrada. “Ver ‘Milla’ sendo usada em panfletagem de movimentos antidemocráticos é muito chocante para mim. Contradiz todo o espírito da música, toda a intenção da música baiana que prega a diversidade e a espontaneidade. Me impactou muito negativamente ver aquele apoio a governo que representa o oposto dessa alegria”, declarou Manno.
Sobre o rompimento com Netinho, Góes esclareceu: “Ter pensamentos políticos diferentes faz parte da natureza da democracia, porém o Netinho ultrapassa um pouco essa linha. Ele se encontra no que há de pior no discurso do bolsonarismo”. O compositor citou ainda o autoritarismo, negacionismo, terraplanismo e fake news como alguns pontos que o impedem de seguir com a parceria com o intérprete de sua canção. “São questões que fogem à maturidade humana e social e vão de encontro a uma fantasia ideológica terrível que sugere uma interpretação de mundo completamente dentro de uma bolha”, encerrou.